A pequena mas graciosa igreja da Misericórdia de Estômbar é um exemplo de arquitetura religiosa do século XVI, tendo sido mandada edificar em 1531 pelo escuteiro Diogo Pincho, conforme atesta a inscrição presente na verga de uma porta lateral. Edifício de linhas clássicas, compõe-se duma fachada dividida por uma banda vertical pintada de azul claro, indicando a parede divisória entre a igreja e o anexo. Consta dum pequeno quintal com duas escadas, uma dando acesso a torre sineira, outra subindo até a casa do despacho, construída num piso superior, sobre a sacristia. O fundo do altar é recolhido numa pequena capela-mor, abobodada, sendo o teto e púlpito compostos por sugestivas pinturas em madeira, datadas de 1767. A porta principal possui um lindo frontão encimado por óculo e escudo com coroa real. Destaca-se as pinturas do século XVII existentes no arco triunfal e na capela mor, a qual apresenta retábulo de talha dourada. Neste momento encontra-se aberto apenas para cerimónias fúnebres. Objectivando a divulgação de valores patrimoniais que são testemunho da riqueza histórica da actual Vila de ESTOMBAR, formulo uma primeira abordagem à IGREJA da MISERICÓRDIA, porque sendo tão rica a sua narrativa, sairia prejudicada a sua divulgação em síntese descritiva, subtraída numa caracterização apressada e menos esclarecedora desta referência PATRIMONIAL. ESTOMBAR, lugar de Santiago, é uma povoação muito antiga, outrora dependente do almoxarifado de Silves, quando no polígono da sua administração territorial enquanto freguesia (das mais antigas do Algarve), aqui se construíram vários edifícios imponentes para a época, assim como uma igreja matriz de proporções e arquitetura grandiosas, deixando perceber o desenvolvimento e importância deste lugar, de tal modo que, mereceu também a construção dum HOSPITAL. Embora não seja reconhecida uma data correta sobre a fundação da sua IGREJA da MISERICÓRDIA, não deixa de ser elucidativa a inscrição grosseira, cravada na pedra, verga da porta de acesso á sacristia onde se pode ler :” ESTE ESPITAL MANDOU FAZER DIº PINCHO/ESCUDEIRO DE LOPO FRZ GAGO MÕR EM ESTE/LUGAR DESTOMBAR A 18 DE ABRIL DE 1531″, que deciframos assim :
– “Este hospital mandou fazer Diogo Pincho, escudeiro de Lopo Fernandes Gago, morador em este lugar de Estômbar a 18 de Abril de 1531”.
A PORTA, em que se encontra gravada esta INSCRIÇÃO, abria-se sobre o ADRO, demolido para alargamento da Rua da Misericórdia e faz parte da fachada da Igreja.
Reforçando como é antigo este testemunho patrimonial, existe uma informação paroquial com data de 1758, em cuja pagina com o nº 651, do livro numero 14 do Dicionário Geográfico do Padre Luís Cardoso, que se refere á MISERICÓRDIA de Estombar, nos seguintes termos: ” …huma ermida q lhe chamão a misericórdia que por antiga lhe não pode descobrir princípio, reedificada porem de novo, tem de renda treze mil e setecentos reis e setenta e três alqueires e meyo de trigo, segundo as informações dos que nella servem”.
A FACHADA da Igreja, com esquema clássico de época, era dividida por uma banda vertical caiada em azul cerúleo, marcando nessa linha, a divisória entre a Igreja e o anexo. Dispunha de um pequeno quintal e duas escadas, em que uma, dava acesso à “torre” sineira e a outra, subia até à casa do despacho, que existia em nível superior sobre a sacristia.
Nela podemos ainda “ler” elementos de várias épocas, sendo o mais antigo, o LINTEL GRAVADO com a inscrição 1531, a que já fizemos referência, cuja simplicidade artística, base material e evocativa não pode ser integrado em qualquer estilo. Já a porta principal, sobrelevada relativamente à cota original, com o óculo, o frontão triangular e os PINÁCULOS LATERAIS, podem ser datados dos últimos anos do Século XVI.
O CAMPANÁRIO e as VOLUTAS que servem de base á CRUZ DE FERRO FORJADO, aproximam-se das formas praticadas durante todo o Seculo XVIII, e são reflexo de uma fase de “obras principiadas e não acabadas”, que tiveram origem numa demanda entre a Misericórdia e os oficiais que as deviam ter concluídas em 1754, conforme consta do Arquivo da Misericórdia, no termo de eleição dos irmãos para os anos 1754/55. O FRONTÃO TRIANGULAR é completado na sua decoração pelo ESCUDO REAL, rodeado de folhas de louro, como era praticado no século XIX.
A Igreja dispunha também de um adro que lhe foi subtraído, quando executaram as obras para alargamento da rua da Misericórdia (Abril de 1937), dando lugar ao rebaixamento da soleira na porta principal (cerca de um metro e cinquenta), e ao degraus no interior da capela, alterando a dimensão desta e da porta principal, excessivamente alta e desproporcionado relativamente ao original mandado executar em 1782 (arquivo da misericórdia-termo de arrematação das portas da Santa Casa.
Reconhecendo na Igreja da MISERICÓRDIA de ESTOMBAR, destaque como referencial do PATRIMÓNIO do concelho de Lagoa, a caminho dos quinhentos anos de existência, depois de caracterização estética e histórica da imagem exterior do edifício (original) desenvolvo agora abordagem a alguns elementos estilísticos que caracterizam o seu INTERIOR, numa visão histórico monográfica.
Trata-se de um templo de nave única coberto por abóbada de berço, com acesso por degraus de inclinação acentuada e com pequena capela-mor também abobadada onde se localiza o ALTAR de característica estilística do BARROCO.
O TECTO da nave, o PÚLPITO e o ARCO TRIUNFAL da capela-mor apresentam sugestivas pinturas datadas de 1767, conforme data referenciada pelo autor junto do escudo real.
Ligando os dois arcos, no remate central de fecho do retábulo da capela-mor, podemos observar elementos torsos decorados com parras e cachos, encimado por um escudo das Cinco Chagas gotejantes, que constituía emblema dos Franciscanos, cuja Ordem desenvolveu importantge actividade junto das Misericórdias, desde o tempo da Rainha Santa Isabel (Sec. XIII-XIV).
Tem um crucifixo de madeira com o “resplendor da glória” e duas “enormes” figuras de “roca” representando Nossa Senhora da SOLEDADE e S. JOÃO EVANGELISTA, as quais se presume originárias da segunda metade do Seculo XVII, época em que este tipo de imagem religiosa foi mais divulgada e que foram adquiridas para esta Igreja conjuntamente com a imagem do SENHOR MORTO, que se encontra sob o altar, mas que durante muitos anos era mantido no arcaz da sacristia, tendo o PROVEDOR no ano de 1965, mandado “…retirar o velho arcazque estava desmantelado e susbtitui-o por móvel moderno, pintado a tinta brilhante verde claro, com puxadores de maçaneta cromados e coberto com pedra mámore branca e substituindo-se a tampa da gaveta por um vidro para permitir a contemplação da imagem jazente.”
No púlpito, embebido na parede lateral do lado esquerdo da entrada, junto á porta de ligação com a sacristia, eleva-se um pouco acima do chão da nave e tem uma porta interior para acesso, tem inscrito frases bíblicas, escritas em latim “…Audivit Salutationem Mar. Elisebet Exultatvit enfans in utero ejus – Et repleta est Spiritu Santo Elisebet” ,
É ainda de realçar a pintura das paredes da capela -mor, que um pouco ao género de pintura mural se apresenta como uma “imitação” de tecido. Duas telas representando Nossa Senhora do Carmo e o Santíssimo Sacramento, obras de artista desconhecido têm numa delas a indicação de ofert por capitão José Lopes Pimenta, personalidade poderosa e influente na freguesia de Estombar no decurso do século XVIII.
Nos pendões, tal como o estandarte real, do século XVII, já “desgastados” pelo tempo, e alguns deles já “repintados” sem grande critério e que lhes retirou a beleza original, é notória a influência de grandes pintores desse tempo, essencialmente de Jean Van Eick pintor renascentista flamengo, nascido em Bruges na Bégica em 1441 e que exerceu funções diplomáticas em Espanha e Portugal tendo influenciado fortemente a arte nestes dois países.
As insígnias da Santa Casa encontram-se expostas na igreja tal como as varas do mando, símbolo usado pelos irmãos, as quais num total de nove, apresentam-se pintadas a preto, no entanto as pertencentes ao Provedor, ao Tesoureiro e ao escrivão têm decorações especiais.
A MISERICÓRDIA DE ESTOMBAR, é um monumento que requer visita atenta e demorada, pois embora não possua objectos valiosos que possam expressar grandezas e riquezas, é um livro aberto e órfão de leitura, pelo enorme testemunho de um tempo em que esta instituição foi roupa para os pobres e aconchego para os infelizes, assumindo-se como um SÍMBOLO do que de melhor existe no PATRIMÓNIO do concelho de LAGOA.